Uma possível mudança?
Sempre falei que se fosse
adivinho seria rico, não pobre mas..
Para uma melhor
compreensão da crise do capitalismo, hoje vos trago algumas considerações.
A dinâmica da
acumulação capitalista conduz a grandes perturbações e interrupções do
crescimento e a sacrifícios das populações.
A crise atual é essencialmente uma crise de sobreacumulação
de capital.
A razão mais profunda é a tendência para a baixa da taxa
geral de lucro. Marx considerou esta a lei mais importante da economia política.
Simplifico, para ir à essência da questão.
Qualquer sociedade, para sobreviver e se desenvolver,
necessita de garantir a produção de certa quantidade de bens e serviços. Essa
produção – e mais, geralmente o funcionamento do organismo social – exige que
as forças de trabalho disponíveis se distribuam mais ou menos em certas
proporções, que vão evoluindo, pelos diversos ramos de atividade econômica.
No socialismo, essa distribuição é, no fundamental, feita
conscientemente, decidida de modo planificado, com o objetivo de satisfazer da
melhor maneira possível as necessidades e aspirações da população.
No capitalismo, a distribuição é, no fundamental, o resultado
espontâneo das decisões independentes das empresas, com o objetivo de obter o
maior lucro possível para os seus donos.
A lei que, no capitalismo, assegura e regula a necessária
distribuição do trabalho social (e dos recursos materiais) pelas várias
atividades é a lei do valor.
O trabalhador não é uma bateria, que fornece no máximo tanta
energia como aquela com que foi carregada.
Em geral, um homem é capaz de trabalhar durante mais tempo do
que o tempo que necessita para assegurar a sua sobrevivência. Essa diferença,
desde que se tornou historicamente possível, é a origem de todos os
sobreprodutos sociais que, quando apropriados privadamente por um grupo humano
em detrimento de outros, constituem as sociedades de classe.
Em particular, no capitalismo, a diferença entre o valor
criado pelo esforço dos trabalhadores e o valor que recebem nos salários de que
vivem chama-se mais-valia e é a fonte dos lucros dos capitalistas. A lei que o
descreve é a lei da mais-valia.
A concorrência entre os capitalistas das várias esferas de
atividade tende, sempre de modo muito turbulento, a uniformizar as
rentabilidades entre elas. Quando a taxa de lucro sobe (desce) num ramo, os
investimentos aumentam (diminuem), a respectiva oferta de produtos cresce mais
(menos) rápido que a procura, os preços diminuem (aumentam) e volta a baixar
(subir) a taxa de lucro.
Nunca há equilíbrio.
Nunca se consegue um nivelamento perfeito entre os vários
ramos. Mas as taxas de lucro aproximam-se e oscilam em torno de um nível que
permite falar numa taxa geral de lucro, para o conjunto da sociedade.
É através desta competição entre os vários capitais que a
mais-valia arrancada aos trabalhadores da produção se reparte pelos
capitalistas das várias áreas (incluindo o comércio e a banca), de modo a
proporcionar taxas de lucro semelhantes aos novos investimentos em cada uma
delas.
Não é verdade que o sistema financeiro, ou mesmo os investimentos
especulativos, proporcionem em geral taxas de lucro superiores. Isso pode
suceder com vários capitais individuais por exemplo durante uma bolha
especulativa, mas as bolhas desincham ou rebentam.
Durante uma escalada especulativa, ativos financeiros podem
valorizar-se artificialmente com o disparar da procura e as mudanças de umas
mãos para outras – nesse caso, o que umas possam vir a ganhar com a compra
perderam as outras com a venda e o presumível lucro não é mais do que uma
transferência de umas para outras.
Mas basta que, por algum motivo, como quando a desconfiança
se insinua, os atuais proprietários queiram massivamente vender os ativos para
realizar os pretensos lucros, que logo precipitam a queda dos preços e
evidenciam que se tratava tudo, afinal, de ganhos fictícios de capital
fictício.
Em média, se tomarmos um período suficientemente prolongado,
pode mostrar-se que as rentabilidades não são maiores nestes sectores. Doutro
modo, com a enorme mobilidade de capitais e facilidade de investir
especulativamente, nem se perceberia por que os empresários não abandonariam os
seus ramos e desatariam todos a investir na bolsa e noutras especulações.
Mas atenção. A competição capitalista tende a
equalizar a taxa de lucro entre os vários ramos, mas a desigualizar a taxa de
lucro dentro de cada um. Na produção e venda das mesmas mercadorias ou
serviços, grandes capitais, tecnologicamente mais avançados, têm taxas de lucro
maiores que pequenos capitais, tecnologicamente mais atrasados.
É o movimento destes grandes capitais, mais avançados, que
têm a capacidade de incrementar rápida e significativamente a oferta, que
homogeneíza aproximadamente as taxas nos vários sectores.
A taxa de lucro é a relação entre o que o capitalista ganha e
aquilo que investiu.
Tendo percebido que o lucro dos capitalistas não é senão uma
forma transformada da mais-valia extorquida aos trabalhadores da produção, Marx
mostrou que a taxa geral de lucro era dada pela relação entre a mais-valia
globalmente produzida e o capital globalmente investido na produção, que se
divide entre o que compra força de trabalho (capital variável) e o que compra
equipamentos, matérias-primas, materiais auxiliares (capital constante).
Desta forma, a taxa geral de lucro fica formulada em termos
de valor.
O desejo de extraírem o máximo benefício da exploração dos
seus trabalhadores, leva os capitalistas a procurarem aumentar a produtividade
do trabalho com a utilização de melhores equipamentos.
A necessidade de defenderem e incrementarem a sua quota de
mercado na concorrência com os outros capitalistas, obriga-os a procurar baixar
os custos de produção, especialmente através da substituição de trabalhadores
por máquinas. Aumenta a maquinaria (e a matéria prima processada) em relação ao
número de trabalhadores.
Mas com isso tende a diminuir a mais-valia obtida – que
provém exatamente da parte não paga do trabalho dos operários – relativamente
ao capital empregue.
Ou seja, a taxa geral de lucro tende a diminuir. Marx
considerou a lei do declínio tendencial da taxa geral de lucro como a mais
importante da economia política.
O lucro é o objetivo da produção capitalista.
Sem lucro, não há produção capitalista.
Esse é, aliás, dito de forma simples, o grande erro, ou a
grande insuficiência, dos keynesianos, quando explicam a crise com a quebra da
procura.
Identificando corretamente que as mercadorias não se vendem
se não houver interessados com capacidade de adquiri-las, esquecem, além disso
e mais profundamente, que, para usar a sua linguagem, a procura só é efetiva se
for lucrativa, isto é, se proporcionar lucros ao capitalista que as produziu.
Compreende-se assim, a necessidade imperiosa do capitalismo
em contrariar o declínio da taxa de lucro. Só o pode fazer aumentando a
produção de mais-valia para o mesmo capital ou reduzindo o capital para a mesma
produção de mais-valia.
Todas as formas concretas de contrariar o declínio se reduzem
às maneiras como se asseguram estas condições.
Uma maneira é intensificar a exploração, aumentar a
mais-valia extorquida aos trabalhadores, aumentar a parte não paga em relação à
parte paga do trabalho (ou seja, aumentar a taxa de mais-valia).
Pode-se mostrar facilmente que, embora isso contribua para
enfraquecer e possa deter o declínio da taxa de lucro, esta tendência acaba
sempre por se impor.
Porque, sendo a mais-valia necessariamente inferior ao valor
novo criado (de que é uma parte) e sendo o capital investido necessariamente
superior à sua parte constante, a taxa de lucro há-de ser sempre menor que a
relação entre o novo valor criado (o trabalho vivo) e a parte constante do
capital investido (o trabalho morto);
Mas é exatamente esta relação que, como lhes falei atrás, a
produção e a competição capitalista obrigam a diminuir, com o aumento da
maquinaria por trabalhador e a substituição de trabalhadores por máquinas.
Outra maneira de procurar deter o declínio é aumentar a
rotação do capital, que permite reduzir o capital destacado inicialmente para
assegurar o pagamento da força de trabalho, das matérias-primas e dos materiais
auxiliares ao longo da produção.
Por exemplo, em igual período de tempo, com duas rotações em
vez de uma, a mesma mais-valia é produzida com metade do capital variável, com
menor investimento.
Mas é evidente que esta aceleração da rotação do capital tem
limites bem estreitos e, por conseguinte, a tendência para o declínio acaba
sempre por triunfar.
O aumento da produtividade, com a mecanização, diminui a
quantidade de trabalho necessária para produzir as mercadorias. Mas então o
aumento dos meios de produção pode eventualmente ser mais do que compensado
pela diminuição do seu valor, o que aumenta a taxa de lucro.
Pode-se no entanto mostrar, o que não se fará aqui, que se
não houver no longo prazo um enviesamento significativo do crescimento da
produtividade entre o sector que produz os meios de produção e o sector que
produz os meios de vida dos trabalhadores – o que tem sido comprovado
estatisticamente e é compreensível, visto que o estímulo desse crescimento, a
pressão para os lucros e a competição entre os capitalistas, não é
dissemelhante nos dois sectores –, então diminuem os custos com capital
variável e aumentam os custos com capital fixo (máquinas, equipamentos,
instalações) assim, por unidade de produto a taxa de lucro desce.
A queda da taxa geral de lucro não é progressiva.
Manifesta-se, com imensas irregularidades, sob a forma de uma tendência, que é
contrariada de várias formas, que pode até durante certo tempo ser invertida,
mas que vence no final.
Numa análise mais fina, o empresário capitalista está
interessado em conseguir um lucro maior do que obteria se pusesse o dinheiro a
render juros, de contrário não faz o investimento (Marx chamou a essa diferença
o lucro da empresa).
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Muitos empresários compensam, muito embora
ficticiamente, a queda do lucro na produção com o mercado financeiro.
A diminuição das taxas de juro pode permitir, então, até para
uma taxa geral de lucro declinante, a conservação do lucro das empresas não
financeiras, ou seja, as produtivas.
Com a queda da taxa de lucro e a consequente desaceleração,
grandes massas de capitais ficam desocupados, adormecidos, simplesmente a
capitalizar juros, o que fornece desde logo uma enorme base para os
investimentos especulativos.
E muitos outros capitais, sem rentabilidades suficientemente atrativas
no investimento produtivo, tentam as aventuras especulativas.
Mas já vimos que, ao longo do tempo, em média, não se saem
melhor. E compreendemos que os seus lucros, quando são reais, representam um
punção ainda mais intensa da mais-valia produzida no sector produtivo, que
aliás prejudica o reinvestimento e a produção de nova mais-valia.
A especulação financeira não inverte, não detém, nem sequer
enfraquece o declínio da taxa geral de lucro. Isto é, não contraria esse
declínio.
Se faz alguma coisa, é agravá-lo. Pode ser gratificante para
capitalistas individuais, mas prejudica o conjunto do sistema.
Não é desta forma que o capitalismo procura, e menos ainda
consegue, deter a taxa geral de lucro. Fá-lo fundamentalmente pela intensificação
da exploração do trabalho e pela desvalorização do capital (que é uma forma da
sua destruição).
Em última instância, só a crise, com a sua aniquilação
massiva de capitais e o reforço brutal da exploração, restaura a rentabilidade
suficiente para que o capitalismo possa funcionar e prosseguir. A eliminação de
capitais mais fracos e menos lucrativos aumenta a concentração e centralização
nos mais fortes.
A concentração monopolista do capital não eliminou a
competição capitalista.
Muito pelo contrário, intensificou-a, exacerbou-a, dando-lhe
uma expressão agravada à escala mundial.
As contradições imperialistas por mercados, mão de obra
barata, recursos naturais, esferas de investimento, domínio geoestratégico,
engendram o militarismo e a guerra.
Mas nem as despesas militares, ainda que colossais, adquirem
uma dimensão suficiente no PIB das sociedades contemporâneas para tirá-las da
depressão econômica, nem as guerras se fazem propriamente para acabar com as
depressões (estas é que acirram as contradições e podem originar guerras
horrorosas).
Quem tem o papel de destruir capital, de revigorar a taxa de
lucro e retomar o crescimento é a crise, com o seu efeito simultaneamente
devastador (para os trabalhadores) e saneador (para o capitalismo). E é isso
que toda a Europa no dia de hoje está reclamando, com greves na Itália,
Portugal e Grécia e protestos em 22 países da União Europeia.
A massa de lucros no conjunto da sociedade é dada pelo
produto do capital social pela taxa média de lucro. Por um lado, parte daqueles
lucros são reinvestidos, aumentam o capital total (chama-se a isto acumulação
de capital) e, dessa forma, contribuem para aumentar ainda mais a massa de
lucros.
Por outro lado, a taxa de lucro declinante contribui para
diminuir essa massa de lucros. Os dois fatores se opõem, mas, durante certo
tempo, o primeiro prevalece, embora cada vez menos, à medida que a taxa de
lucro declina, porque, quando a rentabilidade diminui, os investimentos
diminuem também.
Se a taxa de lucro continua a cair, chega-se a um ponto em
que os lucros adicionais resultantes da acumulação (desacelerada) de capital já
não compensam as reduções resultantes da menor taxa de lucro.
O capital total pode aumentar mas não origina mais lucro. Se
alguns novos capitais dão lucros, muitos outros dos antigos passam a dar
prejuízos, porque a soma de todos os lucros daí em diante se reduz.
É o ponto da sobreacumulação de capital.
É nesta altura que se desencadeiam as grandes depressões
econômicas, como a que estamos a viver (e que importa não confundir com as
oscilações típicas do ciclo de negócios capitalista, reconhecíveis por exemplo
nas variações da utilização da capacidade instalada e que originam perturbações
mais frequentes mas muito menos devastadoras do crescimento econômico).
É a irrupção violenta de uma gigantesca e demorada crise, com
o seu enorme cortejo de falências, de quebra acentuada e prolongada dos
rendimentos e do investimento, com o aumento vertiginoso e persistente do
desemprego e da pobreza. A Europa é um exemplo deste fato.
A sobreacumulação de capital exprime-se, desde logo, numa
enorme sobreprodução de mercadorias, que se amontoam, invendáveis, a par de
massas necessitadas, e mesmo esfomeadas, lançadas na miséria pelo desemprego,
pela destruição dos seus trabalhos, pelas demissões, pelos salários em atraso,
pelas reduções dos salários e das aposentadorias, pelo reforço da precariedade,
pelo corte de subsídios e apoios sociais, pelo desmantelamento e encarecimento
de serviços públicos, pelo aumento da desproteção social.
É a crise de sobreprodução ou, dito com mais profundidade, a
crise de sobreacumulação de capital, originada pelo declínio da taxa geral de
lucro.
A presente crise tem, no entanto, características inéditas.
A necessidade do capitalismo retomar a acumulação colide com
a saturação e o declínio próximo da sua principal fonte energética (pico
petrolífero), cuja oferta, devido a constrangimentos físicos, deixou de poder
acompanhar a procura (o que é disfarçado pela quebra desta durante a crise).
Colide também com a progressiva escassez de outras
matérias-primas naturais, cuja produção é insuficiente para as necessidades do
crescimento. Pode-se observar, com pertinência, que a crise atual é uma crise
de sobreprodução ensarilhada com uma crise de subprodução.
O capitalismo não
oferece o socialismo
A crise é profunda, demorada (nunca menos de uma década a
contar do início) e deixará muitas sequelas.
Mas não é eterna e passará.
Provavelmente com grandes mudanças na organização econômica,
social e institucional da sociedade.
Não necessariamente num sentido favorável aos trabalhadores.
A impossibilidade de continuar como dantes fornece a
consciência aguda da necessidade e da premência das grandes mudanças.
Quando as contradições de classe se desenvolvem e se agravam
podem reunir-se, no chavão bem intencionado de tantos camaradas, “as condições
objetivas e subjetivas” da revolução.
Melhor diria o Lênin: chegar o momento em que os de cima já
não podem manter a dominação e os de baixo já não querem aceitar a dominação.
Uma coisa, no entanto, é certa.
A alternativa é o socialismo, mas este não resultará
espontaneamente do capitalismo (por exemplo, da descida mecânica, ainda que
muito irregular, da taxa geral de lucro).
Só a intervenção organizada e consciente dos trabalhadores e
das massas populares pode transformar as possibilidades em aberto na realidade
por que lutam os comunistas e a que aspiram os povos, que nada mais é que uma
sociedade sustentável e humana.